Crônica

Nada esperar

Por Maria Alice Estrella

Cronista e poetisa


O mais costumeiro exercício que pratico é o exercício da espera. Desde sempre exerço o difícil oficio de aguardar. E o pior de tudo é que não me acostumo e muito menos me conformo com isso.

Cumpro horários numa pontualidade constante. Aliás, o relógio não é um mero objeto decorativo no meu cotidiano. E nem o é no decorrer da vida. Eu o sigo com uma fidelidade, que me surpreende. Disciplinada e obediente ouço a marcação das horas num compasso interno e em ritmo constante e repetitivo.

Porém, o que me perturba não se restringe a sequência dos minutos. Graças a eles provo o gosto inefável de estar viva e saboreio momentos aprazíveis, vez ou outra.

A condição de intervalo entre o agradável e o indesejável, que me são ofertadas em ampla desigualdade de equivalência, ou seja, os bons instantes deixando espaço imenso para as horas de inércia das emoções, desequilibra minha capacidade de esperar. Mas espero sempre, numa teimosia costumeira e personalíssima.

E há quem diga que nada se de esperar. Como assim? Só não espera quem não tem coisa alguma a ganhar.  Os que não esperam um abraço, um retorno, um carinho, uma demonstração de afeto são um tipo de alienados fora do contexto de viver.

A restrita paciência que tenho se perde e fica zerada quando alguém me diz que não se deve esperar coisa alguma de alguém. Penso que os esvaziados de sentimentos se apegam a esse modo mesquinho de pensar para aliviar a ausência da esperança.

Relembrando agora a letra de uma canção do acervo da música popular brasileira vejo justificada a minha esperança de cada dia. “Esperando o sol, esperando o trem, esperando aumento para o mês que vem, esperando um filho para esperar também, esperando a festa, esperando a sorte, esperando a morte, esperando o norte, esperando o dia de esperar ninguém, esperando enfim, nada mais além da esperança aflita, bendita, infinita do apito de um trem”. (Chico Buarque)

Nada esperar é desistência de viver com a cara e a coragem, é covardia de lutar por um lugar ao sol, é limitar seu próprio espaço a uma cela de prisão.

Já perdi muito, muito mesmo, mas nunca perdi por esperar seja o que for, venha o que vier, doa o que doer, haja o que houver.

A esperança aflita, bendita, infinita que me move, me empolga, me angustia e me redime a cada dia que amanhece, em cada noite que adormece e nas madrugadas silenciosas.

A roda da vida tem em suas engrenagens o óleo que derramamos com sorrisos e lágrimas na esperança que continue a se movimentar, na esperança de que nunca pare.

E amanhã será outro dia. Espere!

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